quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

DIA 10 DE ABRIL DE 2007


Era uma tarde absolutamente normal: preguiçosa e inútil como todas as tardes daquele ano, exceto pela nova perspectiva que se abria ainda timidamente.

Depois de um longo e tenebroso verão, seu orientador dava sinais de que poderia lhe tirar do limbo existencial e de que teria algum prazer em continuar suas pesquisas sobre literatura e música e essas coisas todas que a gente chama arbitrariamente de cultura.

Ao seu lado sentava Paulinho, amigo de trabalho e confidente. Entre assuntos futebolísticos e lampejos de maldade vespertinos, pairava um silêncio na sala. Era apenas nesse instante em que Luiza e Paulinho se afastavam mundos de distância para alimentar suas necessidades “internetísticas”.

Luiza vivia um momento especialmente bom. Aquela coisa toda de autoconhecimento, fome de informação, intimidades com os amigos, ampliando o círculo de pessoas realmente interessantes, disposição para viver...

Além disso, começavam os primeiros questionamentos que a libertariam de uma doce prisão.

Apesar do caos interior, Luiza estava tranqüila, certa de que resolveria aquilo ainda nos vinte e poucos anos.

Entre uma passadela e outra pela rede, achou algumas coisas relacionadas com a pesquisa. Na verdade, estava mesmo empenhada em levar aquilo adiante. Era um dos universos que se abriam para ela, e havia qualquer coisa de excitante que não a deixava em paz. Queria saber, queria ouvir, queria conhecer... Queria comer com garfo e faca.

Era um bate-papo com algumas pessoas que já tinham chegado muito antes que ela. Oh, minha Nossa Senhora da pesquisa atrasada, será que eu tenho pique de sair do centro da necrópole e ir assistir um bate-papo, desses que a gente não pode falar nadinha, porque só quem conversa é quem já chegou na casa 8 da estradinha?

Por uma trama mal feita do destino, enquanto Luiza pensava em “ser ou não ser, eis a questão”, recebe uma ligação que pode ter mudado todo o resto da sua vida:

- E aí, sua louca, tudo bem?
- Ah, tirando o ruim, o resto tá bom, né?
- Então, vamos num show do Zeca Baleiro?
- Quando, Rê?
- Semana que vem .... mas tem que ir comprar o ingresso hoje.
- Ah, sério mesmo? È que eu tenho um bate-papo pra ir... sobre a minha pesquisa... Aquela lá do Itamar, te falei?
- Quem é Itamar?
- Ah, deixa pra lá...
- Que horas é seu bate-papo? É rapidinho... a gente compra ali no Sesc Vila Mariana mesmo.

Caralho. O pseudo bate-papo era justamente no Sesc Vila Mariana.
Depois disso não houve mais resistência da parte “preguiçal”, afinal de contas sinais eram sinais, e estava muito claro que o universo queria que Luiza parasse de enrolar e tirasse definitivamente sua bunda gorda da cadeira e começasse a escrever alguma coisa que prestasse sobre seu objeto de pesquisa.

O que Luiza não sabia era que estava prestes a conhecer um outro objeto. Muito mais fálico e muito mais fatal.

“17h, e eu começo a ser feliz. 17h15, I want to be free. 17h30: hora de cair fora, respeitando o fuso horário. Merda, sou proletário”.

Antes de encontrar Renanda, Luiza passou pelas mesmas vitrines cotidianas, olhando tudo com os sentimentos de sempre: ora desdém, ora desejo acompanhado de um sacode “vc não pode comprar isso agora”.
Mesmo assim não resistiu e entrou numa lojinha de sapatos, onde havia escrito em letras garrafais a palavra mais milagrosa que ela conhecia: L I Q U I D A Ç Ã O!

Eliana, sua chefe e incentivadora de consumo, estava bem ali, dando o maior apoio para a compra de um tênis all star laranja fosforescente.

Como já estava atrasada, comprou o tênis e pagou. Um minuto depois se arrependeu: “onde é que eu vou usar este tênis, minha nossa senhora das compras desperdiçadas?”

Bem, se o problema era esse, resolveu resolver ali mesmo: tirou o tênis gasto e calçou o laranjão que, sendo novo, era ainda mais laranja e brilhante e fosforescente.

Assim que saiu da loja, sentiu o mundo olhando para seus pés. Mas, e daí? Luiza não era menina de obviedades... Nunca fora.

Entrou no metrô, e só foi lembrar de que estava com uma laranja incandescente nos pés quando encontrou Renanda:

- Meu Deus, como vc tá moderninha!
- Ô! Você nem sabe como...

Compraram o ingresso e Luiza ainda insistiu:

- Rê, vamos à palestra comigo.
- Não dá, amiga. Tô com fome e nem sei quem é esse tal aí da sua pesquisa... mas boa sorte. E não se esqueça de que semana que vem vamos o Baleiro.

Entrou na sala de bate-papo. “Nossa, tudo isso de gente conhece o Itamar? Meu Deus, eu devo ser uma ignorante mesmo. Em que país do axé eu estava todos esses anos?”
Na verdade não tinha muitas pessoas, mas Luiza que sempre achara que tinha bom gosto musical nunca tinha ouvido falar de Itamar até a alguns meses... como tanta gente assim sabia dele? É... realmente eram universos novos que se abriam.

De repente, ao lado, um desses monitores do Sesc. Lindo. Lindinho, na verdade.
“Puts, hoje era dia de eu querer usar um tênis laranja fosforescente?”.
Sentiu vergonha e tentou encolher o pé.... mas percebeu que não dava pra se esconder um pé número 39 assim impunemente.

Começa o bate-papo. Exatamente como ela previra, com algumas variações. O assunto era legal. As informações pipocando na caderneta. Entre uma fala e outra, pausa para uma olhadela no lindinho do Sesc. “Meu Deus, vou trocar de tênis. Mas e se ele já reparou este laranjão? Vai achar que eu não tenho personalidade...”

De repente, uma fala mais eloqüente. Um cabeludo no palco. Escritor. Um livro que tinha muito a ver com tudo o que Luiza queria saber. Mais eloqüência... uma força pessoal impressionante. Esqueceu o lindinho do Sesc. Concentrou-se no Cabeludo.

Ao final da conversa, Luiza queria comprar o livro, mas lembrou-se de que era pobre e não tinha assim R$ 50,00 na carteira para uma eventualidade. Eventualidades de Luiza se resumiam a esquecer o bilhete único em casa... e então levava sempre consigo 10 dinheiros, o que era o suficiente.
Por um instante, lembrou-se de uma expressão de um amigo do mundo gay: será que ele aceita cu? Não, não poderia propor o cu. Pelo menos, não logo de cara.

- Será que eu poderia pegar seu contato? É que eu gostei muito do livro, mas não tenho dinheiro agora.?
- Claro, anota aí.

Passou email. Telefones. E uma senha para o céu e o inferno.

Naquele instante, Luiza nem podia imaginar o tudo que viria pela frente. Na verdade, Luiza não podia imaginar nada. Estava tomada por aquele sentimento que imbecializa as mulheres. Só uma coisa ficou em sua cabeça pelos anos seguintes: “Será que ele percebeu o meu tênis laranja?”

Um comentário:

LU disse...

"Sera q ele aceita o cu?"!!!! hahahahahahhahaha

imagino quem sera' q fala isso!! hahahaha

Esse post e' grandao hein dna!!!!

Bjao!!!!!!!!!!!