Um hábito não é uma necessidade. Hoje faz 38 dias que eu não fumo. Às vezes, sinto uma puta falta, mas, na maior parte do tempo, eu estou ok. Simplesmente ok.
Não sofro, não agonizo como em outras tentativas frustradas.
Sinto falta dos meus pensamentos de nicotina e alcatrão que vinham tão facilmente entre um cigarro e outro, mas adoro sentir o cheiro do meu shampoo mesmo depois de ter lavado o cabelo há 12 horas.
Sinto falta da baforada redentora após o almoço, me salvando do banzo vespertino, e sinto falta de poder observar o movimento da fumaça após o sexo. Mas, em geral, eu tenho estado muito bem sem o cigarro nessa nova tentativa.
A diferença talvez esteja no fato de que eu já estou num processo de substituir hábitos. E fumar, pode crer, tem sido um dos mais fáceis de limar da minha vida.
Nesse meu processo de autoconhecimento, hábitos emocionais como pensamentos destrutivos, ações repetitivas e falta de cuidado e de autoproteção com a minha sanidade são muito mais difíceis de eliminar . Mas, de volta ao início, UM HÁBITO NÃO É UMA NECESSIDADE.
Fazer repetidas vezes uma coisa não a torna necessidade na sua vida; apenas a torna reconhecível. Aceitável.
E, é claro, a sensação de reconhecimento é agradável, aconchegante.
Até o final do ano passado - contra todos os prognósticos -, eu tinha uma rotina que havia se tornado um hábito. E parecia que essa rotina era tudo o que eu tinha.
Eu nunca me questionava se eu estava feliz ou se ela era boa pra mim. Eu simplesmente repetia exaustivamente as mesmas coisas, me agarrando a seguranças imaginárias.
Eu ficava perturbada a cada vez que eu era impedida de realizar "com louvor" a minha doce rotina.
Era como se eu desaprendesse a dirigir se meu carro não pudesse fazer aquele mesmo caminho. E se eu não fosse naquele supermercado eu nem queria mais comer. E não dormir naquela cama significava simplesmente não dormir. Era uma dor tão grande provocada pela ilusão de necessidade de coisas, pessoas e situações que eu mesma havia criado para mim através do hábito e da repetição.
Eu simplesmente havia confundido o prazer de DESFRUTAR com a estupidez de DEPENDER.
Depois, o tempo fez comigo o que ele sempre faz e tratou de me devolver a lente ajustada para que eu voltasse a enxergar as coisas em seu devido tamanho.
Eu me acalmei e experimentei novos caminhos, novos sabores, novos carinhos, novas possibilidades.
Estava muito claro pra mim: não significava que eu não sentia falta dos meus antigos hábitos, da minha antiga rotina, era apenas a constatação de que eu podia viver sem eles, porque mesmo que eles fossem ou tivessem sido muito importantes para mim, eles NÃO ERAM NECESSÁRIOS PARA QUE EU CONTINUASSE VIVENDO.
Depois, eu perdi deliberadamente muitos outros hábitos: acordar no mesmo horário, fazer o mesmo trabalho (que eu amava) todos os dias, frequentar os mesmos lugares, falar com as mesmas pessoas, até falar a mesma língua. De todos eles eu sinto falta. Muita. Mas a cada dia eu sinto essa verdade se internalizar pacificamente dentro de mim: UM HÁBITO NÃO É UMA NECESSIDADE.
Um hábito é só um hábito. E você pode abandoná-lo se ele não te fizer bem.
É difícil, mas é libertador. Especialmente em relação aos hábitos emocionais. É muito mais tranquilo pensar que uma coisa/pessoa/situação, por mais gostosa que seja, não vai te tornar dependente, porque, na realidade, você jamais poderá ser dependente do que lhe é externo.
Se por acaso uma repetição emocional cotidiana se tornar um hábito na sua vida você pode retroceder a qualquer tempo, porque, afinal, você NÃO É ESCRAVO DOS SEUS HÁBITOS.
Sendo assim, NÃO SEJA VÍTIMA DAS SUAS ESCOLHAS ANTERIORES.
Você é livre para escolher, desistir, escolher novamente, querer, desquerer, insistir, resistir.
O importante é perceber que por mais usuais que tenham sidos suas escolhas (por mais habitual que tenha sido sua rotina), você não precisa disso se não mais quiser. Você não depende disso pra seguir adiante.
Depois que eu entendi melhor esse mecanismo, me sinto mais livre pra gostar da minha rotina e das novas peças que eu encaixo nela; agora estou ciente de que eu não preciso experimentar uma terrível depressão caso algo aconteça fora do "combinado".
Entendi que se eu tiver que abandonar algum hábito - por necessidade ou imposição - isso não vai me mutilar nem me destruir, porque trata-se apenas de uma ação repetitiva cujo o valor é dado por mim. Somente por mim. Por mais gostosa que essa ação me pareça, eu já estava ali antes de ela começar. E eu posso continuar ali - e ir além - depois que ela for sumariamente retirada da minha vida. Por vontade própria ou não.
Não fumar tem sido "fichinha" perto da substituição dos hábitos emocionais, confesso. Mas eu estou tentando. É difícil pra cacete...
Mas, se o homem é mesmo um animal de hábitos, eu não desejo nada menos que me tornar senhora das minhas escolhas.